Ciência na praia: ondas que quebram pra trás

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Atenção hein, esse não é um post normal pra esse blog. Mas eu não pude resistir em anotar essas coisas e como aconteceu durante a volta ao mundo… paciência! Se não gostar, pule pra outros posts que garanto serem mais interessantes :-)

Eu acabei de ler o livro “Surely You’re Joking, Mr. Feynman! Adventures of a Curious Character” — uma espécie de auto-biografia do Richard Feynman, um dos físicos do Projeto Manhattan que criou a bomba atômica (entre outras coisas, um fodalhudo clássico entre nerds e ganhador de um Nobel) — e devo ter ficado empolgado com o tom das histórias dele. Acho que andei prestando atenção em algumas bobagens do dia-a-dia, sem pensar muito, mas fiquei tão curioso que uns dias depois fui pesquisar e encontrei o que escrevi abaixo. De uma observação banal que não ficaria mais que cinco minutos na minha cabeça eu relembrei coisas de anos atrás da época da escola, ou aprendi coisas novas simplesmente pela minha vida toda ter sido um aluno de exatas absolutamente péssimo. Foi divertido até!

Estava lá eu e a Dani no mar em Koh Lanta, Tailândia, boiando felizes da vida pensando em como somos sortudos e de repente meu cérebro apitou. Ei! Mas que porra é essa? As ondas estavam quebrando ao contrário?! Ondas mesmo, não marolas, vindo pra trás, pro mar, quebrando com espuma e tudo!?

Passei boa parte da minha vida morando há uns quarteirões da praia e nunca havia visto ondas quebrando ao contrário. Que tipo de bruxaria nova era essa eu não entendi. Mas pelos risos da Dani vendo eu ficar encantado sorrindo pras ondas deve ter sido uma bruxaria muito boa. Fiquei observando as ondas quebrando ao contrário até elas desaparecerem, uns 10 ou 15 minutos depois. Vi várias, umas quebrando só fazendo um pouco de espuma, outras que quebravam e continuavam a correr pro fundo por vários e longos segundos. Incrível pra mim.

Cara… ONDAS AO CONTRÁRIO! Se isso não dispara um alarme na sua cabeça quando você está na praia eu não sei o que mais pode te assustar. Ainda mais quando isso se dá numa praia que não tem ondas normalmente, tá tudo calmo e de repente a paisagem fica terrivelmente alienígena :-)

https://open.abc.net.au/projects/snapped-action-47dq0na/contributions/hopkins-mouth-meet-ocean-with-backward-breaking-waves-05hf2ze

Essa é MUITO diferente em natureza e tamanho, mas já dá uma idéia…

Se não acredita em mim, dê um pulo nas coordenadas 7.61599 e 99.02911 de latitude e longitude e venha fazer uns experimentos aqui. A praia onde estávamos, como mais tarde fui aprender, era perfeita pra esse fenômeno que, de novo, como alguém que sempre morou em praia eu simplesmente não conseguia entender porque era novidade.

O leito do mar aqui é super plano, sem depressões ou objetos, só areia branca e reta no fundo. O contorno da praia é extremamente reto também. De vez em quando barcos passam em alta velocidade paralelamente à orla, então acho que eles que causaram toda a brincadeira.

Eu sou tão enferrujado (ou inepto) em física que nem lembrava se hidrodinâmica era o equivalente a aerodinâmica na água ou se havia um termo mais… err, correto. Até isso discuti com a Dani antes de pesquisar sobre as ondas que quebram ao contrário. Mas enfim, ao básico!

Como falei, o leito dessa praia é totalmente liso, e aqui venta muito, muito pouco. Além disso, não existe nada no formato da costa que poderia causar ondas, o que faz a área um ótimo exemplo de uma superfície lisa. Todas superfície lisa de líquidos como a água são horizontais a não ser que exista algo pra estragar o equilibrío dela, quase exatamente onde estávamos boiando tomando sol. Aprendi que em um mundo imaginário sem vento ou interferências geográficas, a gravidade faria os oceanos serem perfeitamente lisos, o que é até bastante óbvio, e isso afeta como as ondas que quebram pra trás atravessavam as ondas de sentido normal que eu tava vendo, sem serem destruídas.

A praia das ondas que quebram pra trá

A praia das ondas que quebram pra trás (em um dia sem rampa de areia)

Pesquisando sobre porque isso seria importante, aprendi sobre o John Russel, um engenheiro naval que desenvolveu o conceito de ondas de translação quando observava um barco passando pela orla elevando uma massa de água que do ponto de vista de quem estivesse dentro da água pareceria provavelmente como uma tsunami com o nível da água acima de você, em uma praia normalmente sem ondas. Essas ondas também são conhecidas como ondas solitárias, pelo que descobri.

Achei que isso tivesse a ver com solitões, um tipo de onda solitária ou pulso de água que aprendi que mantém a sua forma enquanto viaja em velocidade constante durante um bom tempo na superfície da água. Hmm mas aparentemente solitões são mais especiais. E o que isso tem a ver com as ondas que quebram ao contrário? Parece que esse tipo de onda aparece somente quando não se tem efeitos dispersivos no meio pelo qual correm (como a água é, nesse caso), gerados por, por exemplo, objetos na água ou desenho geográfico e leito do oceano que não seja liso. Exatamente como tem aqui. Legal! Palavras novas pra algo que vi acontecer!

Procurando sobre dispersão de ondas achei uma nota sobre o que acontece em águas rasas, como no mar onde estávamos. Notei que quando as ondas quebravam ao contrário, por causa do princípio físico de superposição que também aprendi, elas não se destruíam. Um princípio básico de ondas, mas quando várias ondas quebravam no sentido normal e uma quebrava ao contrário, era simplesmente lindo ver como esse princípio ocorria na prática.

No meu caso, as ondas se anulavam só um pouquinho. E isso era por causa da amplitude da onda quebrando ao contrário estar diminuindo. Ela quebrava ao contrário sempre na frente de umas duas ou três marolas vindo ao contrário após ela, e embora a frequência delas não parecesse diminuir, a amplitude era visivelmente menor após colidir com as ondas no sentido normal. Tanto que era nessa hora que a onda parava de quebrar e virava só uma marola com espuma. Isso batia com o conceito de meio dispersivo. A água é um meio dispersivo, então fazia sentido a onda que quebra ao contrário mudar seu formato (amplitude, no caso). Legal de novo!

http://www.acs.psu.edu/drussell/demos/superposition/superposition.html

Exemplo de duas ondas, uma ao contrário, se colidindo em meio não dispersivo

Mas então… afinal, como diabos essas ondas quebravam ao contrário, pra trás e não pra frente da praia, e por quê? Bom, aí que a coisa complica porque até agora não precisei pensar em cálculo algum. Porém achei um artigo bastante interessante sobre isso que demonstra precisamente como e quando as ondas quebram ao contrário. Me esforcei pra entender ele.

Já falei sobre como é o mar e o leito do oceano onde estamos, mas não falei da praia em si. A faixa de areia é notadamente mais alta que o “normal” pra mim. Se você ficar na divisa da água com a areia e olhar pra areia, percebe o quão inclinada ela está (ou é, pode ser algo de temporada). A rampa de areia que a onda precisa subir quando quebra na beira é bastante inclinada portanto, e bastante lisa porque a areia é nem muito fina nem muito grossa, mantendo bem a lisura sem se desgastar demais. Se alguém fica na beira da água e outra pessoa no topo da rampa, parece que a pessoa no alto está na altura do pescoço da outra, e isso em coisa de cinco metros entre elas.

Quando o tal pseudo-solitão, a tal onda solitária, vinha vindo, ela vinha na mesma velocidade por todo o mar desde a linha dos barcos que passavam no fundo. Por algum motivo na divisa da água com a areia existia uma depressão, um buraco que afundava até a altura da coxa. Como não entendo lhufas de sedimentos e depressões, dei um grande foda-se pra esse problema e segui em frente. Por isso, a onda vinha como uma massa única sem quebrar até o último instante quase pra encostar na rampa. E ela não quebrava nem antes nem no contato com a rampa, ela quebrava com muita força imediatamente quando encontrava o buraco. Afinal, é assim que ondas quebram.

Assim, a onda subia a rampa sempre com o máximo de energia que tinha na hora que quebrou e, na volta da água pro mar, graças a inclinação anormal dessa rampa (maior que um valor limite incompreensível pra mim no tal artigo), ela devia ter energia suficiente pra quebrar pra trás por causa da dispersão que ocorreu. No caso da onda antes dela quebrar na praia, a altura dela (variável H nas fórmulas mágicas pra ondas do mar, não pra ondas comuns) precisa estar num intervalo 2.0 e 3.0 pra ela quebrar pra trás. Se tá abaixo disso, ela é só uma onda solitária que quebrará abaixo da superfície se houver um objeto afundado. Se for igual ao limite do intervalo, ela até quebra pra trás, mas também pra frente quase ao mesmo tempo, lembrando do princípio de superposição que descobri. Se for maior que o intervalo, qualquer coisa acima de 0.30, a onda quebra somente pra frente. De umas 8 configurações que a onda pode ter pra quebrar na praia, pra trás é só uma delas em um intervalo específico de altura da onda. Algo assim, ainda não tenho certeza. O tal artigo menciona como tudo isso funciona e explica em detalhes que alguém versado em física e cálculo deve conseguir entender. Como não é meu caso, fiquei com a melhor aproximação que pude inventar traduzindo pra língua normal.

Se quiser saber melhor os detalhes recomendo ler o artigo “Characteristics of Solitary Wave Breaking Induced by Breakwaters” que explica a pornografia das ondas. Especialmente a seção “Free Surface Evolution and Breaking Types” e as menções a “backward” e “BB” nele. Esses artigos parecem sempre lidar com a dinâmica das ondas batendo em objetos na beira da praia, como quebra-mares, possivelmente porque as pessoas estão mais interessadas em se proteger de tsunamis e coisas parecidas do que simplesmente perder tempo entendendo como diabos fenômenos ondulatórios funcionam.

O mais curioso mesmo foi pesquisar online e não ter visto descrição de ondas quebrando pra trás a não ser na beira da água e todas bem pequenas. As que eu vi eram DENTRO do mar já, após o quebra mar, e tinham pelo menos três palmos de altura acima da superfície! Não achei vídeo ou foto que fosse minimamente semelhante na internet…

E essa foi a história de quando vi uma onda quebrar pra trás pela primeira vez! Aparentemente não é algo comum, mas não sei quão raro é, só sei que é bem difícil de se observar. Acho que dei sorte de ter todas as variáveis num só lugar e momento! Quanta coisa legal se pode aprender fazendo observações tão bobas, fico imaginando a empolgação e sentimento de realização das primeiras pessoas que notaram esses fenômenos e conseguiram criar explicações realmente científicas com fórmulas etc pra isso tudo. E eu aqui, pesquisando isso tudo na beira de uma praia paradisíaca!