Dia 31: Ghasa → Tatopani, 1242 metros

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Um dos piores dias de briga da minha vida, mas roupa suja se lava em casa e não em público. Post censurado. — Caio

Nada é tão ruim que não possa piorar. Saímos de Ghasa andando mesmo, o Caio não quis pegar o transporte. Na saída do vilarejo eu fui buscar água, que fica mais pra dentro da vila, não na estrada, e ele não quis esperar. “Você me alcança, estamos indo para o mesmo lugar”. Beleza, peguei as garrafas, busquei a água e voltei pra estrada., apertando bem o passo para alcançá-lo. O que eu não sabia é que a saída para a estrada depois da estação de água é mais pra frente e ele voltou para ver porque eu estava demorando, então eu saí na estrada na frente dele! E saí bem louca, apertando o passo. Meu coração congelou quando eu vi a bifurcação entre a trilha, que era do outro lado do rio, e a estrada. “Ferrou, e agora, por onde ele foi?”. Resolvi seguir o bom senso e ir pela estrada, que é o que estávamos fazendo nos últimos dias, e perguntei para uma mulher sentada em uma guesthouse se ela o tinha visto, e ela confirmou. Ufa, estou no caminho certo. Segui no meu ritmo galopante por uma meia hora e nada de encontrá-lo. Comecei a ficar nervosa e brava por ele não ter me esperado, e depois com muito medo de acontecer alguma coisa comigo, com ele, de não encontrá-lo e não sei mais o que. Comecei a perguntar para as pessoas no caminho se tinham visto ele e para meu desespero começaram a dizer que não. Merda. A única resposta que veio na minha cabeça é: ele só pode ter ido pela trilha! Comecei a procurar pegadas, não achei. Comecei a ficar desesperada, não sabia se ficava na trilha ou seguia pela estrada, se voltava pra trás. Que raiva, raiva, raiva! Decidi que eu precisava procurar uma ponte e entrar na trilha. Pelo número de pessoas que disseram não ter visto ele, ele com certeza tinha ido por ela e eu estava bem avançada, pois a trilha é sabidamente mais difícil do que o caminho pela estrada. Demorou, mas achei uma ponte que ligava a estrada à trilha e eu fui por ela, era a única coisa que fazia sentido! Pensei “perfeito, se ele foi pela trilha ele está atrás de mim, vou entrar aqui e esperar até ele aparecer”. Alcancei a trilha e fiquei ali, esperando, até que que vi ele andando, de longe… PELA ESTRADA! Oi??? Nessa hora fez um nó na minha cabeça, como diabos ele poderia estar atás de mim indo pela estrada?! O foda é que eu tava muito longe, no outro lado do rio… tentei gritar mas não tinha como ele me ouvir, e foi uns 15 minutos até eu descer na trilha, achar a ponte e conseguir voltar pra estrada. Dali pra frente eu praticamente corri (pense na louca correndo pela estrada, suada, com um sol de rachar e uma mochila de 10 kgs nas costas), mas só uma meia hora depois encontrei ele, sentado me esperando em uma venda, obviamente puto. O que aconteceu dali pra frente dispensa relatos, um mais irritado e cansado que o outro, uma baixaria daquelas. Andamos mais uns 40 minutos até Tatopani, em silêncio, não vendo a hora de chegar e acabar com o pior dia de trilha de todos. Estou cansada, triste e com dor no joelho pela correria que foi hoje, um dia pra esquecer. Estou bem preocupada com o dia de amanhã, pois dizem que o caminho de Tatopani a Ghorepani é pesado e meu joelho dói pra caramba. O Caio deve estar mal também, pois se foi difícil pra mim foi muito pior pra ele, minha esperança é ele querer passar o dia descansando amanhã e não ir pra Ghorepani, vou torcer. Dani—

Dia 30: Ghasa, 2181 metros

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Ainda descansando em Ghasa. Minhas pernas, abdômen e coluna doem demais. Terceira ou quarta noite dormindo quase nada pelas dores. Desisti de pegar transporte, vou andar tudo nem que seja rastejando por estradas toscas e sem graça, comendo poeira só pra jogar na cara da Danielle que consegui. Andar por aqui, onde todos já pararam na trilha, é totalmente estúpido e só serve pra orgulho e narcisismo quando ninguém mais se importa. Mas vou andar. Foda-se. Não sei como estarei em Tatopani. — Caio

Mais um dia de silêncio absoluto. Acordamos, tomamos café, voltamos para o quarto e eu comecei a arrumar a mochila para irmos. Só quando eu terminei e avisei que estava pronta para sair é que o Caio avisou que não iríamos hoje. Nem perguntei se o motivo do descanso é para irmos andando para Tatopani amanhã, mas provavelmente sim. Dia chato hoje, a única coisa que eu fiz foi buscar água na estação de Safe Drinking Water (que fica em Ghasa, mas bem afastado), valeu como passeio. Hoje a tarde me dei a alegria de devorar um pacote de biscoito de coco e acabei de acordar de uma soneca. Em altitude não dava pra descansar à tarde porque não é bom pra adaptação do organismo à altitude ficar respirando em um ambiente fechado, então eu passava a maior parte do tempo ao ar livre. Agora que estamos mais baixos acho que posso voltar à me dar este prazer! Saudades gigantescas da família e dos amigos hoje. — Dani

Dia 29: Larjung → Kalopani → Ghasa, 2181 metros

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É incrível o quanto se pode se decepcionar com alguém egocêntrico que não consegue se ver ou se botar na situação dos outros e só devolve ingratidão, esquecendo o que passou anteriormente. É melhor censurar esse dia, ou nem as dores que tô sentindo na bacia e nas pernas vão ser fortes suficientes pra não só falar palavrões e xingamentos por toda a página, de tanta raiva. — Caio

Dia terrível! O Caio acordou cansado, ainda exausto do dia anterior, não dormiu nada a noite. Deu pra ver que ele não tinha condições de caminhar. Quando tentamos conversar sobre isso ele já estava puto comigo, porque eu sou a que queria continuar andando em vez de pegar o ônibus e ignorei o cansaço dele. Então beleza, vamos de ônibus. Mas não, agora ele não queria mais, disse que se saiu andando de Jomson iria continuar andando até o final, pois ele tem TOC e não ia simplesmente pular uma cidade no mapa. TOC, sério mesmo… Quando saímos de Larjung ele estava agindo normal apesar do cansaço, mas conforme a exaustão foi chegando a raiva de mim foi piorando e as longas horas de trilha de hoje foram uma coleção de “cala a boca” e outros insultos, até uma mochilada eu levei. Ele chegou no vilarejo em uma condição triste, mal conseguiu subir a escada até o quarto e quando sentou precisou de uns 10 minutos para se recuperar antes de conseguir sequer se mexer para tomar banho. Não falou mais comigo depois disso. Acho que o objetivo desse tratamento de ogro que eu recebi ao longo do dia é para fazer eu sentir culpa, fazer eu perceber o quanto eu sou uma monstra por ter insistido para andarmos quando ele já estava bem mais cansado do que eu. Bom, funcionou, mas além de culpa o que passa pela minha cabeça agora é: orgulho é uma merda! Eu falhei em perceber que ele estava mais cansado do que eu e agora, por orgulho dele, vou continuar sendo culpada até o final da trilha. Ele não tem condições, mas vai andar até o final pra me incomodar, tenho certeza disso. A lição de hoje é: conheça muito bem a pessoa que você escolher para levar por 30 dias nas montanhas. Eu e o Caio temos uma sintonia muito boa para viajar, mas diferenças existem e em um ambiente assim se acentuam mais ainda. Eu já disse antes que “ogro na cidade é ogro na montanha”, não adianta pensar que vai ser diferente. Mas se o ogro te manda calar a boca na cidade você vai fazer as suas coisas, fica na sua até que a poeira baixe e vocês resolvam. Agora, se o ogro te manda calar a boca na montanha, só sobra você… e a montanha! É difícil, o isolamento piora a tristeza e o sentimento de solidão e começa a dar saudades da família, dos amigos… Hoje eu só quero esperar essa ira toda passar pra resolver isso, enquanto isso vou procurando outros jeitos de me distrair, o que é difícil em um lugar vazio, onde não tem comunicação e a única tomada disponível pra carregar qualquer coisa para de funcionar sem aviso a cada 5 minutos. O lodge que estamos hoje é bom, encontramos um chuveiro quentinho, e o dono é um nepalês curioso que só vendo, que adora futebol, sabe várias coisas do Brasil e quer porque quer ver fotos do país! O Caio deu a sua camiseta do Brasil pra ele e ele adorou! — Dani

Dia 28: Jomsom → Marpha → Larjung, 2570 metros

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Tentamos acordar bem cedo mas foi difícil. O corpo sabe que a trilha tá no fim e não quer mais colaborar. Acordei dolorido, dormi mal mais uma vez. Tive pesadelos com família. Tomamos um café simples e saímos. Conseguimos economizar, então mesmo não parando em Marpha pra dormir resolvemos ir lá só pra comer a tal torta de maça que fazem. Eles são famosos pelas maças, mas decepcionaram. Vila zoada, e torta de maça falcatrua. Eu faço uma melhor. Após a parada, o vento e a poeira do outro dia voltaram, no mesmo horário. Tô simplesmente esgotado de andar contra o vento, não quero isso de novo. Precisamos ver algum transporte até Tatopani ou não vou aguentar. A comida tá demorando, tô morto de fomo e sede. Na garganta agora só tem poeira. Paramos numa pousada imunda… que merda. — Caio

O trecho de hoje foi de 5 horas, pela estrada e novamente cheio de pó e vento! Tomamos um café da manhã leve em Jomsom porque tínhamos um objetivo: parar em Marpha, vilarejo famoso por ser produtor de maçãs, e comer uma apple pie. Andamos 1 hora e meia até lá para descobrir que o vilarejo não é como nos descreveram, bonitinho e cheio de vendas de maçã e coisas de maçã por todos os lados. Na verdade é bem pequeno e não encontramos nenhum restaurante anunciando isso, acabamos entrando em um qualquer e pedindo a torta por lá. No quintal eles tinham macieiras, então pelo menos era fresco, mas a experiência foi bem “mé”, acho que a expectativa estava alta demais, torta bem mais ou menos. Depois de Marpha continuamos seguindo pela estrada e o vento começou a chegar de novo. Não foi tão forte como o vendaval do outro dia, mas o suficiente para a poeria começar a incomodar. O Caio está super desanimado com isso, pois estamos os dois bem cansados e andar pela estrada com vendo realmente não é muito motivador. Eu concordo, mas pra mim seguir andando até o fim é muito importante, falta muito pouco e eu sonhei e planejei muito isso, virou quase uma questão de honra. Não estou muito a fim de pegar transporte até Tatopani, mas se ele continuar pedindo não vai ter jeito, não posso obrigar o coitado a andar, pois está pesado mesmo! Chegamos em Larjung mortos e não escolhemos muito onde ficar, entramos no primeiro com uma cara decente, mas nos arrependemos! Fizeram um desconto bom no quarto, mas nosso almoço demorou uma hora e meia pra chegar e fomos descobrindo que o lugar é bem sujinho. A porção de comida veio tão pequena que o Caio teve que pedir outra. Ainda não testamos o chuveiro, mas espero que pelo menos isso seja bom, tô precisando muito de um banho e de descanso! — Dani

Dia 27: Jomsom, 2742 metros

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…e resolvemos ficar e aproveitar o melhor chuveiro do mundo e o melhor curry de todos. Com internet no quarto então, ficava difícil resistir às dores nas pernas. Almoçamos após acordar bem tarde, vendo locais trabalhando na expansão da pousada antes da alta estação começar. Um menino de uns 12 anos carregava cestos de cimento preparado por uma escada tubular de metal fininha. Ela envergava com o peso todo. Vira e mexe passa um monomotor levantando vôo. Nossa pousada é literalmente ao lado da pista de pouso que tem aqui. Um avião de asa longa levaria a pousada, os pedreiros, a gente, chuveiro, tudo. Mas dane-se, eles fazem o melhor curry do Nepal! Pela parada extra amanhã não pararemos em Marpha mais, é Larjung direto. — Caio

Acordamos hoje às 6h30 com a intenção real de seguir até Larjung. Mas não deu. A trilha com vento de ontem derrubou a gente e não teve jeito de seguir hoje. Acordamos morrendo de dor no corpo todo e eu pensei até em seguir até Marpha, metade do caminho até Larjung, e dormir lá, mas o Caio disse que precisava de um dia 100% parado para se recuperar, então ficamos. Demos uma volta rápida pelo vilarejo para comprar algumas coisas (aproveitar que Jomsom tem de tudo), mas passamos o resto do tempo descansando, vendo séries, lendo… Ah como é bom ter tomadas novamente! — Dani

Dia 26: Muktinath → Kagbeni → Jomsom, 2742 metros

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Não sei nem por onde começar hoje. Primeiro que falam de Jomsom como falam de Manang, e é uma droga igual. Decepção como vila, mas ao menos a pousada é excelente. Melhor chuveiro do Nepal inteiro, comida boa e tem internet grátis. Segundo que era pra pararmos em Kagbeni pra dormir. Paramos pra almoçar somente. Ganhamos um dia de tempo por isso, mas perdemos dois conjuntos de pernas pra compensar. Terceiro que foram quase 6h de trilhas com MUITO pó e poeira e pedra e uma ventania de fazer andar inclinado até, com óculos e boné pra conseguir ver algo na frente. Boca e garganta seca com areia em todos os cantos. Quarto que precisávamos vir pra Jomsom sem falta porque aqui tem caixa eletrônico e nosso dinheiro só duraria mais uns três dias (faltando 12 pro fim da trilha). Fizemos mágica fazendo dinheiro de 3 semanas durar mais, então ficamos sem onde não esperávamos agora. Achamos os caixas, mas lá no fim da vila, e chegamos mortos de cansaço pra ir nos arrastando até lá. Cada saque era cobrado em 4 dólares, e a quantia era limitada, então foram 4 dólares várias vezes… e já falei da tempestade de areia durante as 3h finais de trilha? Já né? Dani passou a mão na orelha após tomar banho e ainda tinha areia ali! Que dia foda, tô completamente morto. Mais um Dorflex pra conta. — Caio

Estamos só o pó! Literalmente! Saímos hoje de Muktinath com destino a Jomsom e nossa idéia foi ir pela estrada e não pela trilha para a caminhada não ficar muito extensa. Todo mundo reclama da estrada e estávamos bem apreensivos, pois muitos trechos a partir de agora passam necessariamente por ela, mas até que foi tranquilo. Quando passam motos e jipes fica meio muvucado e faz poeira, então entendo que na alta temporada, com veículos passando o tempo todo, deve ser foda mesmo, mas com a trilha meio vazia não incomodou. Deu 2,5 horas até Kagbeni, um vilarejo bem bacana no fundo do vale que vale a pena passar a noite (pulamos por causa de dinheiro que precisamos urgente sacar). Almoçamos por lá e saímos meio dia rumo a Jomsom, ainda pela estrada. E então o inferno começou… vento, MUITO VENTO! Sério, poucas vezes na minha vida enfrentei um vendaval tão forte como esse. Quando a gente tirava o pé do chão pra dar um passo o vento nos carregava! O pior de tudo foi a poeira na cara por quase 3 horas seguidas. Passei manteiga de cacau antes de sair e quando cheguei os lábios estavam à milanesa, grudou poeira no corpo todo. Chegamos aqui simplesmente exaustos de tanto fazer força contra o vento! Foi puxadíssimo, e depois que chegamos ainda tivemos que andar uns 20 minutos dentro do vilarejo para encontrar o ATM (que apesar de cobrar taxas abusivas funcionou, graças a deus!). Jomsom é um dos vilarejos mais importantes do circuito, tem aeroporto, mercado, hospital, banco… mas a procura de um quarto foi uma decepção, entramos em várias guesthouses que queriam cobrar 500 rúpias pelo quarto, o que é um absurdo, considerando que no High Camp, o lugar mais alto e isolado de todos, pagamos 300! Demoramos até encontrar um decente e com o preço ok. Acabamos ficando em um do lado do aeroporto (dá pra ver a pista da janela), mas com wifi, chuveiro quente (o melhor EVER!) e quarto à 200. Depois de um banho pra tirar toda a poeira já me sinto melhor, mas ainda não sabemos o quanto aguentaremos andar amanhã. Melhor decidir depois de descansar um pouco! — Dani

Dia 25: Muktinath, 3675 metros

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Hoje foi pura vadiagem. Até fizemos um passeio pela vila, compramos água fresca que o corpo pedia e até chocolate. Vi bastante fósseis de amonitas em pedra negra em barracas nas ruas, são comuns na região, mas acabei não achando nenhum “perfeito” pra valer a compra, caríssimos 1 dólar cada. Ficamos mesmo enfurnados na pousada. Ofereciam wifi grátis, por que não aproveitar? Tiramos o atraso de tudo online até esgotarmos as baterias dos celulares e notebook. Resolvemos pendências da viagem também, e mandamos notícias pra casa e amigos. Foi um dia preguiçoso ouvindo músicas legais no refeitório da pousada. Ótimo pra relaxarmos o corpo e a cabeça. — Caio

Sim, realmente gostamos de Muktinath! Tanto que resolvemos ficar mais um dia por aqui, já que as 11h de caminhada do dia da passagem judiaram mesmo da gente. A nossa única preocupação é dinheiro, pois com todos os atrasos estamos ficando sem grana e precisamos chegar logo em Jomsom, onde dizem que tem ATM. A solução que encontramos foi prolongar o caminho de amanhã e ir direto para Jomsom ao invés de parar em Kagbeni como era o plano original. O nosso dia de descanso hoje praticamente se resumiu em internet, vadiagem total! Estávamos com saudades disso e nos permitimos passar bastante tempo online colocando as coisas em dia. Demos uma volta pela vila também, coisa rápida porque não estávamos a fim de ir até o complexo de templos do vilarejo, que é a principal atração daqui. Parte boa do dia: com a queda de altitude volta a ser possível encontrar coisas baratas. Compramos água mineral à 60 rúpias (chega uma hora que sugar a água do filtro enche o saco e faz falta tomar água em golões) e biscoitos de coco à 30 rúpias! Eu adoro comer saudável, mas confesso que estava morrendo de saudade de uma comidinha industrializada, hehe :-) — Dani

Dia 24: Thorung Phedi → High Camp → Thorung La → Muktinath, 3675 metros

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Senta que hoje tem história! Finalmente partimos pra Thorung La, a maldita passagem à 5.416 metros! Eram 3 da manhã e o céu, como eu magicamente previra, estava limpo sem uma única nuvem. Começamos a subida no escuro mas sem vento algum, até estava mais quente que durante o dia. A lua tava cheia, era noite de equinócio inclusive, mal usei lanterna de tão claro que estava, dava pra ver os picos com neve das montanhas refletindo a luz dela, enquanto as rochas escuras ficavam ocultas. Parecia cena de filme de fantasia com montanhas de neve flutuando no ar. Agora só andar. E botar os pulmões pra fora logo nas 2h inicias. Foi ótimo subir a montanha do começo, 500 metros, no escuro e só com a Dani. Muito bonito e quieto. Bem quieto. Mais 3h, pelo menos, até o topo na passagem. Fiquei tranquilo e mesmo cansado foi tudo bem pra mim. Dani não estava aguentando, mas nunca ficava muito pra trás. Uma hora voltei na trilha até ela, peguei ela pela mão e falei “vamos descansar ali” e ela chorou quando viu que tínhamos chegados nas bandeiras de oração que marcam a passagem lá no alto. Ficamos 1h lá passeando e vendo tudo. Bonito pra caralho ver o sol nascendo nas montanhas daqui, sem palavras. Tiramos muitas fotos hoje, bateu o paparazzi na gente, mas nenhuma vai dar a mesma dimensão de ver com os olhos. A melhor foto que tiramos é a pior vista que vimos ao vivo. Nem nosso desprezo pelos que subiram à cavalo e com carregadores bateu nossa empolgação hoje. São 5.416 metros, porra! O mais alto que estarei na vida, acho. Bom, quem sabe não. A descida prometeu e cumpriu ser dura. Subimos 1.000 e descemos 2.500 hoje, em 11h cravadas. Joelhos não doem mais, passaram desse ponto já, mas o corpo como um todo tá pedindo uma overdose de Dorflex e cama. A vila de Muktinath é bem jeitosa até, quase civilização, nos surpreendeu tanto que ficaremos um dia extra pa aproveitar e descansar bem. Merecemos. Ainda temos Poon Hill e umas duas semanas de trilhas. — Caio

FINALMENTE! Não consigo nem descrever o quanto estou feliz e aliviada. Acordamos às 3 da manhã como planejado, nos vestimos, tomamos o chá e o pão com mel que o Kumar deixou, tudo sem olhar lá fora. Sairíamos de qualquer maneira. Às 3h40 abrimos a porta e o alívio veio: o tempo estava bom! Poucas nuvens e uma lua cheia linda iluminando o caminho, tanto que o Caio nem usou lanterna. A subida até o High Camp foi menos gelada do que o teste que fizemos de dia 2 dias antes, mas a falta de ar judiou da gente. Não tava tão gelado para respirar, mas muito mais difícil de puxar o ar, cada curva do zigue-zague era um descanso. A parte boa é que a vista das montanhas de madrugada, só com a luz da lua, é INCRÍVEL!!! Às vezes só a neve no topo das montanhas fica visível e parece que o pico da montanha está flutuando no céu, coisa de outro mundo. Se foi a falta de ar ou o tempo contemplando a vista eu não sei, mas chegamos ao High Camp uns 30 minutos depois do esperado! Descansamos um pouco no High Camp e logo seguimos viagem para a segunda etapa do dia: mais 3 horas de subida até o Thorung La. Quando saímos do High Camp o dia já estava clareando, mas nada de sol… Cara, que friaca! Foi tenso, muito tenso… O caminho é um loooongo zigue-zague subindo (não tão inclinado como a primeira parte até o HC), mas interminável. Quando andávamos, não conseguíamos respirar, quando parávamos pra respirar o corpo gelava e não aguentávamos de frio. Eu não sentia os dedos dos pés mais. As pessoas foram nos passando no caminho e eu pensando “será que tem algo de errado comigo? será que eu tô passando mal e não sei?”. O Caio também sofreu, mas a falta de ar pra mim pegou muito mais, eram 10 minutos andando e 5 parados pra recuperar a respiração. Logo chegou o sol pra diminuir um pouco o frio, o que ajudou bastante. Seguimos caminhando e em um momento começou a dar uma fraqueza e tivemos que parar pra comer uma barra de cereais. A vista do caminho é um espetáculo a parte, quanto mais alto íamos chegando mais nos aproximávamos dos picos com neve das montanhas e no silêncio dá até pra ouvir o som do sol derretendo o gelo, um crec crec. 3 horas e meia depois de deixarmos o High Camp eu estava exausta e gelada, encontrei uma pedra e sentei pra descansar. O Caio pegou a minha mão e falou “não pára agora, vamos descansar ali na frente”. Levantei sem força nenhuma e continuei. Quando olhei pra frente, ali estavam as bandeirinhas. “Chegamos”, ele falou. Chegamos. CHEGAMOS!!! Eu não conseguia acreditar. Chorei, claro que chorei! Toda a espera, o nosso retorno a Phedi, a perna machucada, o clima que não melhorava, a falta de ar, cansaço, o frio… tudo acabava ali. Chegamos! Foi lindo! Na mesma hora veio uma energia não sei de onde, eu estava a 5.416m de altitude, na passagem mais alta do mundo, eu tinha que aproveitar! Ficamos uma hora lá no alto, tiramos várias fotos, comemos o chocolate que tínhamos levado pra brindar e depois, recuperados e felizes, iniciamos a 3a fase do dia: 5 horas de descida até Muktinath. A trilha até lá é longa e constante, desde o começo da trilha já dá pra ver o valezão onde o vilarejo fica, na região de Mustang (hoje deixamos a região de Manang). O solo é bem seco (mas pegamos um pouco de neve derretida no começo da trilha, fez até um barro) e a descida em pedras dá até dó dos joelhos, coitados. Em um trecho é preciso passar por uma estrada de pedras, umas pedronas terríveis de andar e pra torcer o pé ali é 2 palitos. Perto das 4 horas de descida, sempre com a mesma vista do vale ao fundo, chegamos em Charabu, uma vila bem pequena mas perfeita para almoçar e recarregar as energias. Depois do pit stop seguimos descendo e mais ou menos 1 hora depois tivemos uma baita surpresa: o tamanho de Muktinath! De longe já chama atenção o número de prédios, templos e o movimento na rua, exatamente como achei que Manang ia ser, mas não foi! Ontem o Kumar nos disse que tem um complexo de templos ali e isso tem chamado muitos peregrinos pro local. Quando chegamos à vila entendemos o quanto de desenvolvimento isso trouxe, pois a exigência deles não é a mesma dos mochileiros do Annapurna Circuit. Eu não posso reclamar, pois depois de tanto tempo isolados em Phedi sem energia elétrica, comendo os mesmos pratos (os únicos baratos do menu), tomando banho de balde (quando tomava), um pouco de civilização foi muito bom! Tomei um banho quentinho de chuveiro, usei o banheiro sentada, comi um hamburguer de Yak pela primeira vez, pois os preços aqui são mais baixos do que no alto, e, pasmem, chequei meu e-mail com conexão WIFI! Por essa não esperávamos, nenhum mapa dizia que teria internet em Muktinath. Foi muito bom poder dar um alô pro mundo. Só não sei se quero que continue assim daqui pra frente, esse isolamento tava me fazendo tão bem… — Dani

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