Dia 39: Ghorapani → Poon Hill → Nayapul → Pokhara, 827 metros

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Que dia longo! Não sei se psicologicamente por ser o último nas montanhas ou porque se foi mais que o esperado. O que importa é que finalmente terminamos o Circuito Annapurna oficialmente. Chega de perder tempo em Ghorapani, Poon Hill foi simplesmente fantástico mas era hora de encerrar as trilhas! Acordamos meio perdidos na hora hoje, correndo quase. Meias e roupas estavam encharcadas de umidade, nojentas. Pegamos o céu mais claro, mais azul e perfeito de todos em Poon Hill, valeu a pena esperar cada segundo nessa última semana de castigo aqui no alto. A descida pra ir embora foi outros quinhentos, porém. Foram, aproximadamente, 2.200m de perda de elevação em poucas horas. Bom, “poucas” eram o que nos diziam. Eu honestamente não tava nem um pouco preparado pra andar 7h em descidas inclinadíssimas no último dia de trilha. Foi duro, pesado, tenso. Nunca na vida vi minhas pernas tremerem como hoje, quando parava pra descansar. Não aguentava mais, havia comido 8h da manhã e deu 3h da tarde e nada de terminar… foda. Acabamos, contra minha vontade, pegando um táxi em Nayapul, parada final dos trilheiros pra voltar à civilização. A vila tem conexão com rodovia asfaltada, por isso todos param ali. Chegamos em Pokhara e antes de correr pros hamburgueres, batata frita, refrigerante e chocolate (como havíamos prometido um pro outro quando terminássemos tudo), fui atrás duma balança. Eu precisava me pesar! Estava muito curioso. Mudei bastante fisicamente, e a balança confirmou que perdi 14kg nos 40 dias de trilhas aqui! Caralho! A última vez que pesei tão pouco eu tinha 16 anos e pesava 82kg, e agora estava com 80kg! Amanhã a comemoração ainda tá liberada então hehe. Nós merecemos, foram dias inesquecíveis, ultra cansativos e que por mais que muita gente online diga que veio e fez e não sei o que, só de fato quem viu com os olhos e caminhou com as pernas sabe como esse lugar é incrível. Devo ter reclamado um monte até agora, ao vivo e escrito, mas é um nada perto de tanto que vi. Vou sentir muita falta dessas montanhas, dá até vontade de chorar. Vou ver as fotos dos Himalaias com saudades, no futuro. Porque agora, de verdade, acabou. — Caio

Esta noite, pela primeira vez desde que chegamos ao Nepal, acordei de madrugada umas três vezes com barulho de chuva e trovoadas. Fiquei chateada, pois já havíamos combinado que se não desse pra subir Poon Hill hoje não subiríamos mais, não dava mais pra ficar esperando. Às 5h30 olhei pela janela e o dia estava clareando, sem chuva nenhuma, e resolvi ir até o corredor da guesthouse, de onde é possível ver as montanhas e… WOW! Santa previsão do tempo! Pela primeira vez o céu estava limpíssimo, nenhuma nuvem, e dava pra ver a cadeia de montanhas todinha! Saí correndo pra acordar o Caio, nos trocamos rapidinho, ele foi na frente com a câmera e eu um pouco mais lenta atrás. A subida foi sofrida, parece que mais do que a primeira vez que subimos, mas no caminho tivemos a vista mais espetacular de todas, do sol nascendo deixando um brilho alaranjado nas montanhas com neve, coisa linda mesmo! Lá do alto então, nem se fala, dá pra ver duas cadeias de montanhas (Annapurna e Dhaulagiri) e a luz da manhã deixa tudo mais bonito ainda, pra ficar melhor só se tivéssemos acreditado cegamente na previsão e subido de novo às 5h, como foi da primeira vez. Deu pra curtir o visual lá em cima por quase uma hora antes da neblina começar a surgir de novo pra acabar com a festa. Descemos, tomamos café da manhã e às 9h estávamos de mochilas prontas preparados para começar a última trilha do Annapurna Circuit, a descida até Pokhara. A primeira parte do trajeto foi em mata fechada e terreno lamacento, lembrando muito o começo do circuito. Depois da primeira vila a trilha evoluiu de lama para degraus em pedra + lama (igualzinho os da subida até Ghorapani, mas um bocado mais perigoso), garantiu uns escorregões. Existia uma esperança, mesmo que pequena, de que chegando em Hille, depois das primeiras 3 horas de trilha, a gente conseguisse um transporte direto até Nayapul, não precisando andar toda a trilha até lá. Meu corpo se agarrou nessa esperança e parece ter guardado energia somente até essa parte da trilha… Quando chegamos lá, já exaustos, descobrimos que a estrada até Nayapul estava fechada devido a deslizamentos. Ferrou, teríamos que andar mais 2 horas sem choramingar. Foi foda, uma estradinha de pedras daquelas que fazem o pé pisar torto, bem inclinada pra baixo, por duas longas horas… os joelhos já tinham ido pro saco na primeira parte da trilha, a energia na segunda, e a terceira parte serviu pra acabar com os quadris, os pés e principalmente as unhas! No total foram 5 horas com inclinação pra baixo, as unhas sendo empurradas contra a bota… ficou feia a coisa. Quando chegamos em Birethanti os dois já estavam meio mancando, faltava ainda meia hora até Nayapul, mas a estrada já estava liberada! Tentamos conseguir um transporte, mas sem sucesso (queriam cobrar 20 dólares para dirigir 1 hora até Pokhara, sendo que pagamos 4 dólares para as 8 horas de Kathmandu até o início da trilha). Continuamos o caminho até Nayapul até que chegamos em uma daquelas malditas cachoeiras que não tem como atravessar sem afundar até o calcanhar. O Caio sentou em uma pedra, não sei se pra procurar forças, pra tirar o sapato, pra meditar ou pra chorar, e nessa hora chegou o cara certo, na hora certa… ou seria o carro certo? No sentido contrário vinha um taxi que atravessou a cachoreira (de carro é fácil) e parou pra nos perguntar pra onde estávamos indo. Demos uma negociadinha e conseguimos fechar o preço de 12 dólares, que ainda é caro mas dada a nossa condição serviu como uma luva… O Caio ficou meio contrariado porque se fossemos até Nayapul pagaríamos no máximo 8 dólares, e ele tem razão, mas quando olho minhas unhas dos pés meio roxas de tanto ser esmagadas dentro da bota, eu penso que foi uma boa decisão. Foi pouco mais de 1 hora de viagem até Pokhara, com emoção, e talvez tenhamos corrido mais risco de vida nesse trecho do que em qualquer outro do Annapurna todo. Os caras aqui dirigem perigosamente, procuro nem olhar muito pra estrada pra não ficar preocupada! Quando ele parou o carro em Pokhara e descemos pra pegar as mochilas eu achei que não conseguiria andar até a próxima esquina… começamos a procurar um hotel, mas não precisou, pois o hotel nos procurou. Tinha um agenciador à espreita, só de olho na gente, e quando nos viu andando veio até nós e ofereceu o hotel dele. Ventilador, TV, chuveiro quente, banheiro privado (de sentar, não de agachar, importante), por módicos 5 dólares a diária. Ufa, problema número 1 resolvido. Depois de um banho quente saímos em busca de resolver o problema número 2, que também seria a nossa pequena comemoração. Encontramos um restaurante bacana e degustamos hamburguer, salada, fritas, refrigerante e sobremesa, saímos de lá redondos e contentes! Lição do dia: se um amigo te convidar pra descer de 3.200m para 820m de altitude no mesmo dia, ele não é seu amigo. E assim acabou o Annapurna Circuit! Foram quase 40 dias de trilha entre caminhadas, recuperação, eu doente ou esperando o clima melhorar. Andamos no mato, no barro, na chuva, no calor, depois na secura, na falta de ar, no frio, na neve. A gente viu de tudo, olhando as fotos não dá pra acreditar que passamos por tanta coisa em tão pouco tempo. Pra mim, Dani, esses foram os 40 dias mais maravilhosos da viagem até agora, de um jeito que dá até aquele aperto de ter terminado. Acordar, caminhar até o corpo não aguentar mais, tomar um banho, relaxar e ter tempo pra você todos os dias é lindo. Chegar no vilarejo e escolher o lugar onde você vai dormir pelo que eles tem no quintal, pois você sabe que aquilo vai aparecer na sua comida, é bom demais. Conheci muita gente parecida comigo, jantei com um monge budista de 80 anos batendo o maior papo, vi um menino de 13 anos preparar o nosso jantar no maior capricho enquanto nos esquentávamos no fogão a lenha da cozinha. Vivi coisas que jamais viveria em nenhum outro lugar. A melhor parte, porém, foram elas, as montanhas. Quando se anda por 5 horas nas montanhas, em silêncio, ouvindo só o som da sua respiração, muita coisa vem à cabeça, muita reflexão acontece. É nessa hora que vem a noção do quão pequenos nós somos, cai a ficha de que elas sempre estiveram ali, desde muito antes de você existir, e de que elas sempre estarão. E é na solidão das montanhas que a gente percebe o quanto ama as pessoas que estão longe da gente, e percebe o quanto eles são importantes e fazem falta. Foi isso que me transformou! Eu não sabia se ia aguentar andar tudo, se ia conseguir respirar à 5.000 metros, tinha medo de como ia ser a convivência com o Caio, tinha medo de passar frio. Todas essas coisas foram difíceis, cada uma em um momento diferente, mas todas elas foram superadas. Termino a trilha transformada, orgulhosa, satisfeita e incrivelmente feliz. A gente planejou muito, pesquisou muito e sonhou muito com cada momento dessa trilha. E a gente conseguiu! :-) — Dani