Nossa nova casa

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Minha casa e meus pertences (Rogério Oliveira)

Um dia, conversando com uma amiga, ela me perguntou como é ficar esse tempo todo sem nada. Peguei um susto pois achava que tinha tudo. Na hora fiquei sem resposta e fiquei pensando sobre isso por uns dias. Deveria ter respondido assim:

Tenho um quarto que nem sempre é só meu, mas não me importo em dividi-lo. E ele tá sempre diferente, ora com uma cama de solteiro, ora com vários beliches, pra não enjoar. A decoração também sempre muda: a cortina, os quadros da parede e a mesinha nunca permanecem no mesmo lugar. A vista da janela, que engraçado, está sempre mudando, tem umas horas que vejo e tem uma praia, depois tem um templo, outra hora eu me espanto e só vejo prédios e quando eu volto só vejo montanhas. Tem vezes que o quarto nem é meu, mas o dono faz com que eu me sinta como se estivesse em casa, então pronto o quarto agora é meu também.

Meu guarda-roupa eu carrego nas costas, ele não tem prateleiras, gavetas e nem cabides mas tem todas as roupas que preciso, um chinelo e um tênis. Basta. As coisas mais importantes de uma estante andam comigo: livros, computador, caderninho de anotações e uma caneta. Porta-retrato? Não preciso, penduro na memória a imagem do lugar ou das pessoas que gosto. Agenda também não se faz necessária, vou resolvendo os compromissos à medida que eles surgem, não tem nada preestabelecido, a ordem do dia é ditada de manhã ou na noite anterior. Tenho sempre cama com lençóis limpos e levo minha toalha, que na verdade não é uma toalha de verdade e sim uma fralda da Sofia (minha afilhada) que enxuga muito bem, seca rápido e não pesa nem ocupa espaço.

Não uso relógio, hora de comer é quando me dá fome, hora de dormir é quando não aguento mais de sono, hora de voltar pra casa é quando estou cansado e a hora de sair é quando termino de trocar de roupa. Se não tem viagem marcada, a hora de acordar é quando o corpo acha que descansou o suficiente.

Tenho uma máquina fotográfica, que se encarrega de congelar e eternizar as cenas que tenho visto. As imagens capturadas por ela ajudam a dar forma nas histórias que conto e vão me fazer viajar quantas vezes eu quiser depois que eu voltar pra casa.
Tenho sempre banheiro, seja ele perto do meu quarto ou em algum lugar pelo caminho. Ultimamente muitos de meus banheiros nem tem vaso, só um buraco no chão mas faz o mesmo efeito. O que poderia estar na prateleira, levo numa pequena bolsa: escova, pasta, sabonete e desodorante.

A sala de estar eu troco sempre, umas tem televisão que nunca assisto, outras têm sofás onde sentam pessoas que não conheço.Taí uma boa oportunidade de fazer novas amizades e trocar uma ideia. Ás vezes tenho estantes na sala com outros livros, revistas, jogos que nem sei jogar… Mas normalmente, na sala de casa sinto uma atmosfera vibrante, cruzo com pessoas sentadas no mesmo barco que eu e estão remando para lugares aonde já fui ou pra onde estou indo.

Tenho usado bem pouco a cozinha, tenho sempre quem cozinhe pra mim, não preciso de panelas, fogão e liquidificador. O menu é sempre diferente, escolho o que me apetece e o que minha curiosidade pede. A mesa e as cadeiras estão sempre dispostas de forma diferente no café, no almoço e no jantar. Não tenho aquele monte de coisa amontoada na gaveta nem no armário: peço emprestado o prato ou a tigela, o copo e os pauzinhos (talheres). O bom é que não preciso lavar tudo depois, é só levantar e sair. Não tenho geladeira, mas sempre tenho minha garrafa pra beber água depois de escovar os dentes antes de dormir. Não tenho minha goiabada pra comer depois do almoço, mas sempre acho um mercadinho pra comprar um doce.

Sem dúvida, a parte da minha casa que mais gosto é o quintal. Ele também sempre muda cada vez que passo pela porta. Acho que não é uma porta, é um portal mágico. Lá nem sempre as pessoas falam a mesma língua ou têm a mesma religião. As fisionomias mudam assim como a moeda que elas usam pra comprar coisas tão diferentes. Tem hora que estou no meu quarto, tão compenetrado no que estou lendo ou escrevendo, que até esqueço que no meu quintal tem um outro mundo completamente diferente. No meu quintal não tem plantas para regar, um cachorro abanando o rabo pra mim e nem roupas no varal, mas tem o que me deixa profundamente feliz: o mundo.