Dia 24: Thorung Phedi → High Camp → Thorung La → Muktinath, 3675 metros

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Senta que hoje tem história! Finalmente partimos pra Thorung La, a maldita passagem à 5.416 metros! Eram 3 da manhã e o céu, como eu magicamente previra, estava limpo sem uma única nuvem. Começamos a subida no escuro mas sem vento algum, até estava mais quente que durante o dia. A lua tava cheia, era noite de equinócio inclusive, mal usei lanterna de tão claro que estava, dava pra ver os picos com neve das montanhas refletindo a luz dela, enquanto as rochas escuras ficavam ocultas. Parecia cena de filme de fantasia com montanhas de neve flutuando no ar. Agora só andar. E botar os pulmões pra fora logo nas 2h inicias. Foi ótimo subir a montanha do começo, 500 metros, no escuro e só com a Dani. Muito bonito e quieto. Bem quieto. Mais 3h, pelo menos, até o topo na passagem. Fiquei tranquilo e mesmo cansado foi tudo bem pra mim. Dani não estava aguentando, mas nunca ficava muito pra trás. Uma hora voltei na trilha até ela, peguei ela pela mão e falei “vamos descansar ali” e ela chorou quando viu que tínhamos chegados nas bandeiras de oração que marcam a passagem lá no alto. Ficamos 1h lá passeando e vendo tudo. Bonito pra caralho ver o sol nascendo nas montanhas daqui, sem palavras. Tiramos muitas fotos hoje, bateu o paparazzi na gente, mas nenhuma vai dar a mesma dimensão de ver com os olhos. A melhor foto que tiramos é a pior vista que vimos ao vivo. Nem nosso desprezo pelos que subiram à cavalo e com carregadores bateu nossa empolgação hoje. São 5.416 metros, porra! O mais alto que estarei na vida, acho. Bom, quem sabe não. A descida prometeu e cumpriu ser dura. Subimos 1.000 e descemos 2.500 hoje, em 11h cravadas. Joelhos não doem mais, passaram desse ponto já, mas o corpo como um todo tá pedindo uma overdose de Dorflex e cama. A vila de Muktinath é bem jeitosa até, quase civilização, nos surpreendeu tanto que ficaremos um dia extra pa aproveitar e descansar bem. Merecemos. Ainda temos Poon Hill e umas duas semanas de trilhas. — Caio

FINALMENTE! Não consigo nem descrever o quanto estou feliz e aliviada. Acordamos às 3 da manhã como planejado, nos vestimos, tomamos o chá e o pão com mel que o Kumar deixou, tudo sem olhar lá fora. Sairíamos de qualquer maneira. Às 3h40 abrimos a porta e o alívio veio: o tempo estava bom! Poucas nuvens e uma lua cheia linda iluminando o caminho, tanto que o Caio nem usou lanterna. A subida até o High Camp foi menos gelada do que o teste que fizemos de dia 2 dias antes, mas a falta de ar judiou da gente. Não tava tão gelado para respirar, mas muito mais difícil de puxar o ar, cada curva do zigue-zague era um descanso. A parte boa é que a vista das montanhas de madrugada, só com a luz da lua, é INCRÍVEL!!! Às vezes só a neve no topo das montanhas fica visível e parece que o pico da montanha está flutuando no céu, coisa de outro mundo. Se foi a falta de ar ou o tempo contemplando a vista eu não sei, mas chegamos ao High Camp uns 30 minutos depois do esperado! Descansamos um pouco no High Camp e logo seguimos viagem para a segunda etapa do dia: mais 3 horas de subida até o Thorung La. Quando saímos do High Camp o dia já estava clareando, mas nada de sol… Cara, que friaca! Foi tenso, muito tenso… O caminho é um loooongo zigue-zague subindo (não tão inclinado como a primeira parte até o HC), mas interminável. Quando andávamos, não conseguíamos respirar, quando parávamos pra respirar o corpo gelava e não aguentávamos de frio. Eu não sentia os dedos dos pés mais. As pessoas foram nos passando no caminho e eu pensando “será que tem algo de errado comigo? será que eu tô passando mal e não sei?”. O Caio também sofreu, mas a falta de ar pra mim pegou muito mais, eram 10 minutos andando e 5 parados pra recuperar a respiração. Logo chegou o sol pra diminuir um pouco o frio, o que ajudou bastante. Seguimos caminhando e em um momento começou a dar uma fraqueza e tivemos que parar pra comer uma barra de cereais. A vista do caminho é um espetáculo a parte, quanto mais alto íamos chegando mais nos aproximávamos dos picos com neve das montanhas e no silêncio dá até pra ouvir o som do sol derretendo o gelo, um crec crec. 3 horas e meia depois de deixarmos o High Camp eu estava exausta e gelada, encontrei uma pedra e sentei pra descansar. O Caio pegou a minha mão e falou “não pára agora, vamos descansar ali na frente”. Levantei sem força nenhuma e continuei. Quando olhei pra frente, ali estavam as bandeirinhas. “Chegamos”, ele falou. Chegamos. CHEGAMOS!!! Eu não conseguia acreditar. Chorei, claro que chorei! Toda a espera, o nosso retorno a Phedi, a perna machucada, o clima que não melhorava, a falta de ar, cansaço, o frio… tudo acabava ali. Chegamos! Foi lindo! Na mesma hora veio uma energia não sei de onde, eu estava a 5.416m de altitude, na passagem mais alta do mundo, eu tinha que aproveitar! Ficamos uma hora lá no alto, tiramos várias fotos, comemos o chocolate que tínhamos levado pra brindar e depois, recuperados e felizes, iniciamos a 3a fase do dia: 5 horas de descida até Muktinath. A trilha até lá é longa e constante, desde o começo da trilha já dá pra ver o valezão onde o vilarejo fica, na região de Mustang (hoje deixamos a região de Manang). O solo é bem seco (mas pegamos um pouco de neve derretida no começo da trilha, fez até um barro) e a descida em pedras dá até dó dos joelhos, coitados. Em um trecho é preciso passar por uma estrada de pedras, umas pedronas terríveis de andar e pra torcer o pé ali é 2 palitos. Perto das 4 horas de descida, sempre com a mesma vista do vale ao fundo, chegamos em Charabu, uma vila bem pequena mas perfeita para almoçar e recarregar as energias. Depois do pit stop seguimos descendo e mais ou menos 1 hora depois tivemos uma baita surpresa: o tamanho de Muktinath! De longe já chama atenção o número de prédios, templos e o movimento na rua, exatamente como achei que Manang ia ser, mas não foi! Ontem o Kumar nos disse que tem um complexo de templos ali e isso tem chamado muitos peregrinos pro local. Quando chegamos à vila entendemos o quanto de desenvolvimento isso trouxe, pois a exigência deles não é a mesma dos mochileiros do Annapurna Circuit. Eu não posso reclamar, pois depois de tanto tempo isolados em Phedi sem energia elétrica, comendo os mesmos pratos (os únicos baratos do menu), tomando banho de balde (quando tomava), um pouco de civilização foi muito bom! Tomei um banho quentinho de chuveiro, usei o banheiro sentada, comi um hamburguer de Yak pela primeira vez, pois os preços aqui são mais baixos do que no alto, e, pasmem, chequei meu e-mail com conexão WIFI! Por essa não esperávamos, nenhum mapa dizia que teria internet em Muktinath. Foi muito bom poder dar um alô pro mundo. Só não sei se quero que continue assim daqui pra frente, esse isolamento tava me fazendo tão bem… — Dani