Dia 29: Larjung → Kalopani → Ghasa, 2181 metros

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É incrível o quanto se pode se decepcionar com alguém egocêntrico que não consegue se ver ou se botar na situação dos outros e só devolve ingratidão, esquecendo o que passou anteriormente. É melhor censurar esse dia, ou nem as dores que tô sentindo na bacia e nas pernas vão ser fortes suficientes pra não só falar palavrões e xingamentos por toda a página, de tanta raiva. — Caio

Dia terrível! O Caio acordou cansado, ainda exausto do dia anterior, não dormiu nada a noite. Deu pra ver que ele não tinha condições de caminhar. Quando tentamos conversar sobre isso ele já estava puto comigo, porque eu sou a que queria continuar andando em vez de pegar o ônibus e ignorei o cansaço dele. Então beleza, vamos de ônibus. Mas não, agora ele não queria mais, disse que se saiu andando de Jomson iria continuar andando até o final, pois ele tem TOC e não ia simplesmente pular uma cidade no mapa. TOC, sério mesmo… Quando saímos de Larjung ele estava agindo normal apesar do cansaço, mas conforme a exaustão foi chegando a raiva de mim foi piorando e as longas horas de trilha de hoje foram uma coleção de “cala a boca” e outros insultos, até uma mochilada eu levei. Ele chegou no vilarejo em uma condição triste, mal conseguiu subir a escada até o quarto e quando sentou precisou de uns 10 minutos para se recuperar antes de conseguir sequer se mexer para tomar banho. Não falou mais comigo depois disso. Acho que o objetivo desse tratamento de ogro que eu recebi ao longo do dia é para fazer eu sentir culpa, fazer eu perceber o quanto eu sou uma monstra por ter insistido para andarmos quando ele já estava bem mais cansado do que eu. Bom, funcionou, mas além de culpa o que passa pela minha cabeça agora é: orgulho é uma merda! Eu falhei em perceber que ele estava mais cansado do que eu e agora, por orgulho dele, vou continuar sendo culpada até o final da trilha. Ele não tem condições, mas vai andar até o final pra me incomodar, tenho certeza disso. A lição de hoje é: conheça muito bem a pessoa que você escolher para levar por 30 dias nas montanhas. Eu e o Caio temos uma sintonia muito boa para viajar, mas diferenças existem e em um ambiente assim se acentuam mais ainda. Eu já disse antes que “ogro na cidade é ogro na montanha”, não adianta pensar que vai ser diferente. Mas se o ogro te manda calar a boca na cidade você vai fazer as suas coisas, fica na sua até que a poeira baixe e vocês resolvam. Agora, se o ogro te manda calar a boca na montanha, só sobra você… e a montanha! É difícil, o isolamento piora a tristeza e o sentimento de solidão e começa a dar saudades da família, dos amigos… Hoje eu só quero esperar essa ira toda passar pra resolver isso, enquanto isso vou procurando outros jeitos de me distrair, o que é difícil em um lugar vazio, onde não tem comunicação e a única tomada disponível pra carregar qualquer coisa para de funcionar sem aviso a cada 5 minutos. O lodge que estamos hoje é bom, encontramos um chuveiro quentinho, e o dono é um nepalês curioso que só vendo, que adora futebol, sabe várias coisas do Brasil e quer porque quer ver fotos do país! O Caio deu a sua camiseta do Brasil pra ele e ele adorou! — Dani